A Associação Brasileira de Educação Médica, por meio do Grupo de trabalho Populações (In)Visibilizadas e Diversidades, manifesta seu repúdio ao descaso político-sanitário às populações indígenas de nosso país nos últimos anos, culminando com a tragédia humanitária, ambiental e sanitária dos Yanomamis explicitada nos noticiários de nosso país e internacionalmente nos últimos dias.
Desde a chegada dos europeus no Brasil, vivenciamos diversas ações de destruição, estigmatização, subjugação, exploração, violência e genocídio das populações indígenas de nosso país. Por meio da desestruturação social, econômica, ambiental e dos valores coletivos, bem como da negligência do Estado, observou-se a constante diminuição da população indígena. Segundo dados do Censo de 2010, 896.917 pessoas se autodeclararam indígenas, sendo que aproximadamente um terço vive em cidades e dois terços em áreas rurais – há presença dos povos originários em todo o território nacional, com mais de 150 línguas faladas. Entretanto, essas diferentes etnias também resistem e lutam por seus direitos e sobrevivência.
A Constituição Federal de 1988 buscou garantir de maneira explícita direitos aos povos originários do Brasil. Apesar disso, somente em 2002 articulou-se uma política pública de saúde destinada a essa população (BRASIL, 2002). Depois de mais de 20 anos desta política, o que observamos? Um descaso acentuado do governo federal, especialmente de 2019 a 2022, que por meio de ações deliberadas de negligência assistencial, corte de recursos, estímulo ao garimpo ilegal, à invasão de terras e ao desmatamento, levou à desnutrição, contaminação com mercúrio, infecções e morte dessas pessoas, culminando em uma das piores situações humanitárias, um verdadeiro genocídio registrado em nosso país.
Este descaso e abandono aos povos originários é uma das expressões do racismo estrutural que se mantém camuflado pelos discursos de democracia racial e meritocracia. Da mesma maneira, o debate sobre a saúde indígena pouco tem adentrado e permanecido nas instituições de ensino superior. No caso da medicina, as Diretrizes Curriculares Nacionais de 2014 apontam para a defesa da dignidade humana, considerando as várias dimensões como a étnico-racial. Durante o 58º Congresso Brasileiro de Educação Médica (Cobem) foi aprovada a moção “Em defesa da visibilidade da temática e da presença dos povos indígenas na educação médica”. No ano seguinte, durante o Cobem, aprovou-se um conjunto de Recomendações da Abem para o ensino da Saúde Indígena nas Escolas Médicas Brasileiras, publicadas no site da associação.
Mas ainda é preciso aprimorar os debates e as estratégias de formação relacionadas à saúde dos povos indígenas. Isso requer ampliar o debate sobre a inclusão e permanência de estudantes indígenas no ensino superior, na graduação ou pós-graduação, bem como o fortalecimento da responsabilidade social das escolas médicas com a extensão universitária, Colocamo-nos à disposição para qualificar a discussão na comunidade acadêmica e dialogar com a sociedade civil, sempre garantido o protagonismo dos povos indígenas na definição das diretrizes e políticas voltadas a sua população
Sabemos que um posicionamento escrito não cura a dor. Entretanto, posicionamo-nos para romper com o silêncio, somando-nos a diferentes vozes que hoje ocupam os espaços políticos da vida cotidiana, em um pedido ensurdecedor por paz e justiça. Posicionamo-nos para nos solidarizar com as pessoas e, principalmente, reforçar nosso compromisso com a qualificação do ensino, da pesquisa e da prática médica, para que a educação médica acolha as diversidades étnico-raciais, reconheça-as e cuide delas. E que tenha seu cotidiano ancorado na inclusão, na diversidade, nos direitos humanos e na justiça social.
“As pessoas precisam entender que apoiar a causa indígena, hoje, é apoiar a sua própria existência.”
Sonia Guajajara
Brasília, 25 de janeiro de 2023.
Grupo de Trabalho Populações (In)Visibilizadas e Diversidades
Associação Brasileira de Educação Médica