A Associação Brasileira de Educação Médica, tendo em vista a aprovação do PL 6.176/2019 do Senado Federal, que trata sobre o processo de reconhecimento de diplomas expedidos no exterior para a prática no território nacional (Exame Nacional de Revalidação de Diplomas Médicos – Revalida), vem a público prestar os esclarecimentos a seguir.
SOBRE O REVALIDA
O Revalida foi instituído por meio da Portaria Interministerial 278/2011 para uniformizar e qualificar o processo de revalidação de diplomas médicos expedidos no exterior, em uma ação articulada dos Ministérios da Educação e da Saúde. Foi implementado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), com a colaboração da Subcomissão de Revalidação de Diplomas Médicos, também instituída pela Portaria 278/2011.
A iniciativa baseou-se nas várias experiências internacionais de validação de diplomas, fundamentada nas melhores evidências científicas. O processo foi iniciado com a construção de uma matriz de correspondência curricular baseada em competências para o exercício de medicina no Brasil, em conformidade com o perfil de egresso estabelecido nas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) naquela ocasião. O sistema de avaliação consolidou-se com uma prova de múltipla escolha, uma prova escrita de questões abertas e uma prova prática com múltiplas estações de simulação. As provas constantes no Revalida original foram elaboradas, discutidas, aplicadas e corrigidas por bancas formadas por professores de todo o território nacional, de escolas públicas e privadas, convocados por chamada pública de ampla divulgação e concorrência, assegurando a diversidade e a imparcialidade indispensáveis a um processo dessa natureza. A produção gerada por esses professores foi consolidada em um Banco Nacional de Itens (BNI), um conjunto de questões de múltipla escolha a serem aplicadas, analisadas e renovadas periodicamente. As provas não se limitavam aos aspectos cognitivos, avaliando também habilidades e atitudes, em um sistema complexo e etapas progressivas, com segurança e sigilo garantidos.
Entre as instituições de ensino superior que firmaram o Termo de Adesão para participação no Revalida, foi estabelecido por consenso que a aprovação nas duas etapas da avaliação seria demonstrativo da competência técnica (teórica e prática) do avaliando para o exercício profissional. Esse processo foi centralizado no Inep, órgão público federal com função de avaliar o ensino superior no país de forma científica e sem conflitos de interesse. A aplicação da etapa prática tem sido descentralizada em diferentes locais.
Os custos do processo eram assumidos pelos participantes inscritos e, eventualmente, complementados pelo Inep. Na última edição, a taxa de inscrição relativa à primeira etapa de avaliação foi de R$ 150,00; quando ocorria aprovação na primeira etapa, o participante pagava a taxa relativa à segunda etapa de avaliação, no valor de R$ 450,00.
SOBRE O GRUPO DE TRABALHO CRIADO EM 2019 PARA REVISÃO DA PROPOSTA DO REVALIDA
A Abem foi designada, na Portaria 18/2019 publicada em maio pela Sesu/MEC, como membro convidado do Grupo de Trabalho (GT) para revisão da proposta do Revalida. Também integraram este GT instituições comprometidas com o debate da revalidação: CFM, AMB, Academia Nacional de Medicina, além do MEC, MS e Inep.
O GT reuniu-se em diferentes ocasiões. Os seguintes tópicos constavam no encaminhamento final que obteve consenso entre os participantes do GT: defesa do Revalida no seu formato atual; realização das provas em períodos regulares; resultado da prova escrita válido por duas ou três edições de provas práticas; processo de revalidação realizado exclusivamente por universidades públicas; e definição do Revalida como critério obrigatório para revalidação de diplomas médicos no Brasil.
SOBRE A PROPOSTA APROVADA NO SENADO
O PL 6.176/2019 aprovado no Plenário do Senado no dia 27 de novembro de 2019 define novas regras para o Revalida e aguarda a sanção presidencial. A análise do documento revela, inicialmente, o alcance de um objetivo anteriormente perseguido: oferecer como base legal do Revalida uma lei e não uma portaria.
Seu objetivo permanece o mesmo: “verificar a aquisição de conhecimentos, habilidades e competências requeridas para o exercício profissional adequado aos princípios e às necessidades do Sistema Único de Saúde (SUS), em nível equivalente ao exigido nas Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medicina no Brasil”, com ênfase na valorização das DCNs como norteadoras da formação médica no Brasil.
Entretanto, apesar de designar a responsabilidade geral da União, com coordenação pela Administração Pública Federal, o projeto deixa em aberto a responsabilidade direta sobre o Revalida – isto é, não há referência ao órgão específico, como anteriormente previa a Portaria 278/2011, definindo a responsabilidade do Inep. Além disso, o PL prevê o acompanhamento do Revalida pelo Conselho Federal de Medicina, novamente sem esclarecer responsabilidades; na regulação anterior, havia clareza quanto ao papel da Subcomissão de Revalidação de Diplomas Médicos para a elaboração da metodologia de avaliação, sua supervisão e o acompanhamento de sua aplicação.
O texto faculta ainda a participação de instituições de educação superior públicas e privadas que tenham curso de medicina com avaliação 4 e 5 no Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes), em contraponto com a definição anterior que previa apenas a participação de universidades públicas, contrariando o consenso do Grupo de Trabalho. Para que esta definição seja possível, o PL do Revalida propõe a modificação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (LDB – Lei 9.394/1996) – legislação que regulamenta o sistema educacional brasileiro, público e privado, abrangendo desde a educação básica até ensino superior.
As etapas previstas são as mesmas, assim como os critérios de participação na etapa prática estabelecendo o compromisso de ampliação para edições semestrais, demanda anteriormente já conhecida.
Quanto ao custeio do processo do Revalida, o texto do PL prevê que “os custos serão cobrados dos inscritos”, embora não apresente nenhuma previsão formal deste custo, citando apenas que será plenamente coberto pelos valores de inscrição; além disso, define parâmetros relacionados à Bolsa de Residência Médica, elevando substancialmente os valores praticados anteriormente.
Ainda sobre os custos, considerando a possibilidade de emissão do diploma pelas universidades privadas, não há qualquer regulamentação sobre o novo valor acrescido ao processo, deixando que sua regulação ocorra pelo mercado.
O texto estabelece a possibilidade de participação na etapa de avaliação de Habilidades durante três edições sucessivas, a partir da aprovação na etapa teórica.
Não há definição de quem pode se candidatar ao Revalida, assim como não há referência à prerrogativa conferida às universidades públicas para procederem à revalidação de diplomas.
SOBRE A DIVULGAÇÃO DA PROPOSTA PELO MEC
A divulgação oficial da proposta em vídeo disponível nas redes sociais do MEC teria como objetivo explicar detalhes do histórico e do “novo Revalida”, com a presença do ministro da Educação e do secretário de Ensino Superior. O conteúdo das informações é confuso, por vezes equivocado, não baseando as informações em evidências relacionadas ao processo anterior e às mudanças propostas na nova normatização.
O próprio ministro afirma a seriedade das edições anteriores do Revalida, considerando-as adequadas às necessidades do SUS e às DCNs; apoiando-se nesta experiência para validar a atual e contrapondo-se ao uso do termo “Revalida Light” para a nova proposta.
Não apresenta qualquer análise de custo objetiva relacionada à proposta atual ou comparativa com os custos praticados anteriormente. Afirma que o custo anterior era arcado plenamente com recursos públicos dos “pagadores de imposto” – na verdade, os custos eram arcados pelos participantes que pagavam taxa de inscrição.
Afirma que o candidato nas experiências anteriores inscrevia-se e fazia as duas provas independentemente de sua aprovação na etapa teórica – na realidade, os participantes só realizavam a prova prática, se aprovados antes na teórica.
Ao sugerir como inspiração modelos relacionados a experiências internacionais partindo da expertise do Hospital Sírio-Libanês, com ênfase nos exames realizados pelo National Board of Medical Education (NBME), desconsidera que esses exames não estão em consonância com as DCNs para os cursos de medicina, e que o Brasil tem experiências avaliativas consolidadas que deveriam ser prestigiadas.
Na mesma perspectiva, também ignora a incompatibilidade entre as diretrizes americanas e às brasileiras, ao ressaltar a pretensa vantagem acessória de quem faz o Revalida ter a oportunidade de vivenciar uma experiência de avaliação semelhante à que é hoje desenvolvida nos EUA.
Ao afirmar que o Revalida não será o caminho único de revalidação de diplomas, assim como a possibilidade de liberação dos diplomas por universidades privadas, desde que ofereçam curso de medicina, contraria a sugestão do GT.
Aponta finalmente a possibilidade de integração do Revalida à prova de seleção à residência médica, não coerente com duas avaliações com objetivos e públicos substancialmente diferentes.
SOBRE A POSIÇÃO DA ABEM
Com base na análise do processo de trabalho do GT, do texto aprovado pelo Senado Federal e da narrativa do vídeo oficial do MEC, o Conselho de Administração da Abem sinaliza seu posicionamento.
Reiterando nosso compromisso com a construção de uma sociedade mais justa e igualitária e nosso protagonismo na definição de políticas públicas de saúde e educação:
– consideramos a participação no Grupo de Trabalho como oportunidade de pautar os anseios de nossos associados, expressos na busca por um processo único de revalidação de diplomas sob a responsabilidade da gestão pública (Ministérios da Educação e Saúde e universidades);
– lamentamos que o consenso definido no GT não tenha sido preservado em sua íntegra no texto final do Projeto de Lei;
– ressaltamos a necessidade do respeito à construção histórica dos processos relacionados à educação e a inquestionável contribuição das universidades públicas nesta trajetória;
– consideramos equivocadas algumas das falas que norteiam a divulgação do texto do PL aprovado, e com intencionalidade desconstrutiva em relação à credibilidade de educadores e instituições anteriormente dedicadas ao Revalida;
– reafirmamos que estaremos atentos e prontos a garantir aos nossos associados e à população a fidedignidade das informações e de nossos posicionamentos.