Diante do atual cenário da pandemia da Covid-19 no Brasil e da complexidade que novas variantes do vírus Sars-CoV-2 trazem, o Conselho Diretor da Abem considera oportuna a revisão de suas recomendações elaboradas em 2020.
Desde março de 2020, o Conselho Diretor da Abem vem priorizando o diálogo regular e constante com as diretorias regionais, instituições de ensino, educadores e educandos. O diagnóstico do contexto nacional atual sinaliza a necessidade de ratificarmos alguns posicionamentos incorporando novas diretrizes, com especial atenção às atividades presenciais sob a responsabilidade das escolas médicas.
O levantamento feito acerca dos desafios iniciais das escolas médicas no contexto da pandemia, com participação de 5.091 estudantes, 1.156 professores e 124 gestores das mais variadas instituições do âmbito público e privado de todas as regiões do país permanece atual. O compilado desta análise pode ser encontrado no documento: “Recomendações da Abem após ouvir estudantes, professores e gestores das escolas médicas brasileiras no contexto da pandemia da Covid-19”, publicado em 18 de maio de 2020.
As incertezas nos acompanham desde então, seja em relação ao impacto da incorporação de novas tecnologias e formas de aprendizado, passando pelas consequências inevitáveis dos novos formatos de viver, ensinar e cuidar, na saúde e bem estar de docentes, discentes, profissionais e trabalhadores de saúde chegando ao impacto econômico, sanitário e emocional na sociedade para a qual todas as ações de formação em saúde estão direcionadas.
De março de 2020 até os dias atuais, muitas medidas que envolviam diretamente as escolas médicas foram tomadas, como a formatura antecipada dos estudantes que completaram 75% da carga horária de internato, a adesão de alunos e residentes ao programa Brasil conta comigo, ou mesmo a adaptação da legislação educacional para acolher atividades do ensino remoto emergencial exigindo ajustes nos Projetos Político Pedagógicos dos Cursos e respeitando os limites das Diretrizes Curriculares Nacionais de 2014, vigentes.
Em algum momento imaginamos que 2021 seria o ano de identificar lacunas de aprendizado, reconhecer impactos educacionais, validar estratégias inovadoras que alcançaram sucesso, celebrar a dedicação de profissionais de saúde, educadores e educandos, identificar no nosso Sistema Único de Saúde a fortaleza principal de nossa resposta sanitária e, progressivamente, retornar aos campos de prática e estudo coletivos.
No entanto, ao redigirmos esta atualização de posicionamento, nos aproximamos dos 10 milhões de casos notificados com cerca de 240 mil óbitos por Covid-19 no Brasil, mantendo por mais de 20 dias consecutivos a marca de, pelo menos, 1.000 mortes diárias pela doença. Progressivamente, assistimos à falência de redes de saúde em diferentes municípios e estados acompanhando o caminho da desorganização da resposta sanitária federal, o descaso com as evidências científicas, o recuo nos investimentos financeiros no auxílio emergencial à população e na sustentabilidade das ações no âmbito do SUS. Quase incrédulos, e apesar dos esforços incomensuráveis dos profissionais de saúde, vimos os cilindros de oxigênio representarem a marca da escassez, da desigualdade e do pouco valor de algumas vidas humanas.
Temos clareza de que a formação de novos profissionais médicos aptos a dar respostas à pandemia – e a muitas das consequências sanitárias relacionadas a ela em futuro imediato e próximo – e conscientes de seu papel como trabalhadores do SUS, principal empregador da saúde no Brasil, precisa ser garantida ou, melhor dizendo, é urgente.
Para tanto, considerando as características locais heterogêneas, é necessário que algumas variáveis sejam ponderadas na tomada de decisão de retorno às atividades presenciais:
- a escassez de recursos humanos nas frentes de cuidado;
- o impacto a curto e médio prazo na formação de novos profissionais de saúde;
- a condução heterogênea, diversa e por vezes antagônica da crise sanitária nacional, pelos distintos entes governamentais (municípios, estados e governo federal);
- a disponibilidade de EPIs, de locais e condições que seguem as normas sanitárias;
- a disponibilidade local de vacinas.
Preservamos as reflexões e práticas expressas em nossos documentos anteriores e reforçamos que o caminho da formação profissional competente e socialmente comprometida deve ser orientado pelos valores da preservação da vida, responsabilidade e responsividade da escola médica a partir de amplo diálogo institucional, avaliação constante das condições sanitárias, reconhecimento e respeito aos riscos individuais, garantia de preceptoria, acompanhamento sistemático das escolas médicas e valorização da autonomia universitária.
Considerando o exposto acima, em consonância com a garantia da qualidade da formação médica no Brasil, consciente das necessidades de saúde da população e da responsabilidade social da escola médica, o Conselho Diretor da Abem orienta que, sempre que possível, se retomem as atividades práticas na graduação nas diversas modalidades, incluindo as de resposta à pandemia, e que sejam sempre garantidas:
- avaliação da necessidade, disponibilidade e organização dos serviços de saúde;
- presença de EPIs, de locais e condições que sigam as normas sanitárias;
- vacinação imediata de docentes e preceptores que estejam diretamente responsáveis por atividades em campos de prática;
- vacinação imediata de residentes e estudantes do período de internato;
- negociação das escolas com as respectivas secretarias de saúde para o planejamento progressivo de prioridades de vacinação com inclusão, o mais breve possível, de estudantes, docentes e preceptores da área de saúde de períodos iniciais, antes do retorno às atividades em cenários de prática;
- constante avaliação dos índices epidemiológicos locais, para tomadas de decisão sobre necessidade de interrupção de atividades.
Essas diretrizes são coerentes com a participação da Abem nas ações da Frente pela Vida, que define como prioridades de luta as campanhas “O Brasil precisa do SUS” e “Vacina para todos e todas” e trazem o compromisso de garantir a educação médica de qualidade, o aporte de profissionais de saúde para o Sistema Único de Saúde, de maneira a não intensificar a escassez de recursos humanos em saúde no Brasil, respeitando as medidas de segurança adequadas.
Brasília, 15 de fevereiro de 2021.
Conselho Diretor da Abem